O Natal da bulímica
Ela
o esparava, lasciva,
Contaminada
de desejo, tentando controlar uma ansiedade de saia justa, justíssima. Mas
sabia disfarçar o nervosismo com uma expressão de mulher dentro do uniforme, e
olhar profundo. Esperava por ele sentada num confortável sofá, no hall do hotel
onde costumavam se encontrar com “total” descrição. Geralmente para
almoços-business e sexo executivo. Voltou com essa business lunch idea depois de uma viagem de negócios a
Londres.
O
homem entrou pela porta giratória como um verdadeiro gentleman, sem encarar ninguém, seguro de si. Ele é terreno, pensou
ela ao vê-lo entrar. Por isso a cartomante disse que homem da terra come-chão (?) e mulher de
buraco come o próprio rabo — o que aquela cigana doida quis dizer com isso? “Sua vida é cheia de atrapalhação”,
disse a cigana, e dividiu um copo de cidra amarga com a mulher. “Não é verdade,
minha vida é boa”, pensou. Olhou em volta, e por um segundo imaginou ter visto
o homem errado. Aquele não era o Alberto, era? Não, o homem que acabara de
passar ao lado tinha a expressão de um anjo que se arrependeu de deixar a
Terra, um anjo terreno. Sentiu uma tremedeira no corpo inteiro ao ajeitar, de
leve, o coque. Causava-lhe certa comoção imaginar-se frágil, suscetível ao amor
dele.
Aquela ligação fora de hora, quando estava a
caminho do supermercado, deixou-a curiosa. Tinha de fazer as compras, ir ao
salão... “Cancele tudo”, disse Alberto, autoritário. Controlou-se para não se
desmanchar no sofá, o pensamento nele. De repente, o homem sentou-se num sofá
atrás dela — como não o havia visto?! —, e sussurrou-lhe no ouvido esquerdo: “Hoje eu quero você nua em pelo”. Ela
virou-se, pálida. “Alberto?!”. Mas, não havia ninguém atrás dela, nem mesmo o
sofá. Ele é terra, terra, terra? É de arrepiar até o fio do pensamento mais
suave da cabecinha avoada dela — uma mulher de negócios.
Por falar nisso,
—
Almoçamos? — perguntou Alberto,
que surgiu, sabe-se lá de onde, na frente dela.
Ela assim exclamou “Ah!?”, boquiaberta,
apertou o peito esquerdo. Que susto! Não entendeu nada.
Foram ao restaurante do hotel para mais um
almoço-business, onde raramente discutiam os problemas da empresa, a situação
econômica do Brasil, o julgamento do Mensalão, ou a queda da bolsa... Ela
queria que tudo mais explodisse, trabalhava feito uma louca para manter as ordens
da casa, a tranquilidade do marido e os filhos entretidos com novos gadgets!
Colocou o guardanapo de linho no colo. Gadget é uma palavra vazia, pensou,
examinando o rosto do homem — que antes lhe pareceu iluminado
e, aos poucos, se apagava.
Alisou a taça de vinho, e disse algo para quebrar o silêncio estranho:
—
Sabe o que minha filha de cinco
anos pediu ao pai? Um Iphone cinco! —
revirou os olhos.
—
É mesmo?! Ela já pretende entrar
para o mundo dos negócios? — disse ele, olhando para o menu, distraído.
Rir ou não rir?,
pensou.
—
Sim, aprendeu com a mãe. E o
pior: o pai prometeu que lhe dará um nesse Natal. Não sei onde vamos parar...
Na garrafa de vinho, pensou Alberto. Chamou o
garçom, com o movimento mais delicado. Falava como se mastigasse folhas de
hortelã, não gesticulava, seus gestos eram mínimos, guardados num corpo alto e
forte; era perfeito, redondo e sutil como uma gota d’água que cai sobre nossas
cabeças, devia pensar a mulher, encarando-o. Quando a conheceu, no trabalho,
não se interessou por ela de imediato, achou-a parecida com uma lagartixa. Mas,
como uma lagartixa que se cria em casa, com olhos doces de jabuticaba, criou um
carinho por ela. Por que ela?, perguntava-se. Ele podia ter qualquer outra...
Na verdade, tinha outros casinhos além dela, mas por que continuava comendo
aquela lagartixa? No fundo sabia... é que ela seria o tipo de mulher que,
independente do que acontecesse, correria pro canto da parede, pr’atrás da
porta... Uma mulher lagartixa, pensou e sentiu vontade de rir, mas:
— Pedimos vinho tinto? Um Burgundy, por favor
—
disse ao garçom.
—
Para almoçar? — perguntou-lhes o garçom.
—
Uma salada — respondeu ela, sem pensar.
—
Pedimos algo mais? Um prato de
massa e outro de...
Ela não gostava de comer muito nesses
encontros, pois sabia que a caminha quente lhe esperava mais tarde. Vivia
sempre de dieta, estressada. Aliás, tinha vários motivos para estar nervosa, e
corria-lhe pelo sangue nutrientes e vitaminas de desejo e medo, seus lábios se
tremiam como se a qualquer momento fosse vomitar no prato. Na sua cabeça de
vento, apenas o desejo. Não imaginava que o amante de três anos a tivesse
convidado na véspera de Natal para pôr um fim nos encontros! Ajeitou novamente
o cabelo, com a estupidez de uma mulher vazia que começa a criar rugas de
ignorância no rosto, rugas de não entender a vida. Caso o fizesse, Carla não se
mataria, se jogaria do alto dos dez centímetros do salto do seu sapato. Seria
uma morte estúpida, a dela. Carlinha, o que você tanto pensa? Caso ele a
perguntasse, como poderia começar? Todo mundo começa o dia pensando em algo. A
forma de pensar é um cálculo? Pensava na
roupa que compraria para a noite de Natal com a família: sem decote: ou decote
discreto: nada: noite de amor com ele
em véspera de Natal: depois uma ducha pra lavar toda sujeira: missa: não, não
rezaria: os últimos dias do ano: promessa: cartomante: fim da linha: fim da
vida: —
Adorava matemática quando era adolescente,
mas o professor era um cavalo bem criado. Um pouco lhe atraía, sim, mas não
gostava de grosseria. Gostava de montar e domar um cavalo. Sim, e com a pele
nua, a pele da pele, era o último desejo da carne. “Me come em carne viva, me
come”. Estranho o jeito de pensar dela. Não tinha limite nem coerência. Ainda mais se deixada levar por um golpe de
dor no estômago. E o homem, com quem tanto ele falava?, perguntava-se. Alberto deixava códigos no ar, “não se
preocupe, tudo será resolvido da melhor maneira”...
Não acredito que estou comendo macarrão,
pensou, e comia nervosa. É que engorda, dizia a avó esquelética, que caminhava
na beira da estrada todos os dias. E mulher gorda sofre preconceito. Se tivesse
tempo de ir à academia… mas quem gosta de sofrer segurando aquelas barras de
ferro? Ah, eu preciso malhar, a bolsa de valores cai... e a bunda também,
pensou.
—
Desculpe, eu precisava atender
aquela ligação — disse Alberto, ambíguo.
Ela arrotou pra dentro, sofria de gases
nervosos quando estava ansiosa. Faltava-lhe ar, e controle nas pernas. Comeu
mais do que devia, nem tocou na saladinha.
—
Vou ao banheiro — disse.
Ajustou a saia lápis, não sabia se era
paranoia, mas achou a saia mais ajustada. Não podia comer, não podia, disse.
Amanhã só comeria “cotonetes” e correria no parque, aquele parque poluído,
tanta poluição deve engordar também. Ah, mas e o peru da ceia de Natal? Tanta
comilança nessa época, vou enlouquecer, colocar tudo pra fora e dar descarga!,
gritava o pensamento. Precisavam fazer sexo, ela montaria naquele cavalo louco
que era o Alberto. Com um chefe amante daqueles, precisava pensar em quê? Só
nos negócios, claro, mas tinha certa inteligência pra isso. Pra outras coisas,
não, era a cópia, da cópia, da cópia. Nunca leu um livro que não fosse do tipo
“quem comeu isso, quem mexeu naquilo”... Pois deveriam escrever um livro “quem
me comeu, lave o prato”. Os homens hoje em dia
não assumem nenhuma responsabilidade!, pensava bobagens assim. Casaria com o
Alberto e largaria o marido velho? Sim, querer é poder, repetia a frase
clichê da adolescência. O que queria era simples: dinheiro e esquecer a pobreza
do interior. Chegou em São Paulo com uma mão na frente, outra atrás. Querer é
ter, pensou olhando-se no espelho, retocando a maquiagem cara que comprara num
ataque de angústia, pra maquiar a vida, pra esconder os porozinhos da vida...
Virou-se e ficou de frente para o vaso
sanitário. A matemática dela era fraca e simples:
Comer muito = vomitar tudo.
Fechou a porta do banheiro. Saiu mais
aliviada e confiante, sentindo a barriga murchinha. Lavou a boca com sabonete,
fez um bochecho rápido, passou perfume no pescoço, e colocou um batom rosa
claro nos lábios. Ajeitou o cabelo e a saia, ah, agora sim, estava normal.
Deveria caprichar nas posições de sexo, pensou. Sabia quantas calorias queimava
em cada posição. Com o marido fazia cachorrinho, porque esse era de queimar
bastante calorias e já bastava pro mês inteiro. E detestava um sexo do tipo
guloso, com chocolate, chantilly, não! Nem pense que vou comer um pênis coberto
com calda de chocolate e me lambuzar com manteiga ou creme, dizia para si
mesma. Sexo e comida não combinam!
Ao voltar à mesa, o homem falava ao celular
novamente. Mas havia pedido uma sobremesa, torta de chocolate —
para distraí-la?, pensou. Como é
que tem a ousadia de pedir torta de chocolate? Homem alimenta a esposa, não a
amante. Aí tem!
—
Desculpe-me mais uma vez, hoje
está um dia cheio, véspera de Natal, sabe como é...
Sei, um Natal bem gordo, pensou Carla. Pois
ela já se sentia uma vaca obesa. Lembrou do vizinho da casa da família, no
interior de Minas. “Ê seu Zé pra gostar de mulher gorda”, dizia o pai. Seu Zé
ria de orgulho, palitando os dentes. “Eu vou pra Copacabana pra ver mulé gorda
desfilar na praia. Num gosto de mulé magra, não, sô. Já falei pra minha, se
emagrecer um tintim eu largo docê”.
—
Pois é, correria. Ainda tenho
que fazer compras — disse
ela por dizer.
—
Eu detesto essa época, todo
mundo bonzinho, peru na mesa, aquela fartura de comida!
Ela lembrou-se de um Natal na casa dos pais.
A única carta que escreveu para Papai Noel — sou pobre, mas amo minha família.
Agora tinha formado sua própria família, a amava? Naquela noite de Natal, o pai
trabalhara até as últimas horas para poder trazer algo de comida. Mas não
chegou, porque era de beber e trocar as pernas. “Deve de tá cantando dingobél
pelas esquinas, o imprestável”, disse a tia zangada. A mãe nem quis saber, fez
farinha com ovo e comeram — tinha mais três irmãos
— de papocar as bochechas; a mãe
se engasgava de ódio e amor, e dizia: “Ovo com farinha!”. Era de uma beleza tão
pura dizer “ovo com farinha”, pensou Carla olhando para o homem, a dor
enchendo-lhe os olhos. Notou que ela se emocionara? Não, ele não estava nem aí
pra ela! “Ovo com farinha”, repetia a mãe, e comeram sufocados com a farinha
saindo pela boca. A farinha era um pó mágico, pensou, enxugando os olhos.
—
Eu nunca me importei com Natal
(quer dizer, nunca pude me importar, pensou), mas, hoje, como tenho filhos...
—
Ah, é uma hipocrisia tão grande,
as pessoas só querem consumir... Eu tenho pena dos que não podem comprar
presentes pros filhos e se sentem uns bostas! Deveriam acabar com esse
consumismo, especialmente num país como esse onde confundem crescimento
econômico com progresso — disse e calou-se, pois achou que repetia o discurso
hipócrita de outro alguém. Também ele não era de pensar muito, mas tinha pudor.
E se zangava às vezes e serenava. No fundo tinha um coração impune, livre de
sofrimento... de nada lhe valia fazer algo! Que tudo explodisse, que o peru do
Natal explodisse pra todos os lados, e as pessoas também, que explodissem com
tanto amor e esperança!, pensou.
Ela queria contar-lhe coisas da vida,
conversavam tão pouco. Da farinha com ovo, de que já havia passado fome... mas
o Alberto era bem criado, não era? De terno e gravata, deve ter nascido
chutando o mundo e dando ordens: “Sai da frente!”, pensou. Que autoridade
tinha! A postura dele era de dar um tesão enorme. Mas deveria se controlar! E a
fome? Ela esqueceu que passara um dia? Seu pensamento ficou esparso, e por mais
que tentasse fazer um cálculo, o pensamento era assim: + fome. Quando era
pequena e estudava muito, a mãe batia-lhe na cabeça, “Quem estuda muito
endoidece”. Doida ficaria se continuasse naquela pobreza!
—
Não vai comer a sobremesa? —
perguntou Carla, suspirando.
—
Não, come você. Carla,
precisamos conversar.
Ela lambeu a colher, sentiu o gosto de
saliva, provava o hálito de alguém? Sentiu um arrepio.
—
Conversar sobre o quê? Podemos
ter uma conversinha no quarto. Eu reservei uma suíte, hoje é um dia especial,
né? — sugeriu ela, sem muitas esperanças.
Ele mexeu o nariz como se ela fedesse. Na
verdade, cheirava a roupa com mofo. Ela tinha algo em si que não podia
esconder, uma marca de fraqueza. Talvez um resquício de miséria. Ele observou o
seu rosto magro mas com uma leve papada. Tinha uma cara de menina abandonada,
esfomeada? Que coisa! Nunca tinha reparado bem nela? Não, pensando bem,
ela tem cara de vagabunda, concluiu.
—
A Laura descobriu tudo —
disse Alberto, secamente.
—
Como assim? Alguém sabe do nosso
caso?
—
Por favor, não me interrompa. Na
noite de confraternização do trabalho... bebemos mais da conta e fomos pra
minha sala, lembra? Deixamos “um recado” na caixa de mensagens dela.
—
Mas como? Isso é impossível!
—
Não, aqui está — mostrou-lhe o celular com ligação,
data e hora. — Eu liguei
pra ela acidentalmente, na hora em que estávamos, enfim...
—
O celular estava no seu bolso,
deve ter caído... — imaginou
a cena. — E a Laura não
vai fazer nada? Eu não quero perder meu emprego, e meu marido tem pressão alta!
Ele esfregou a mão direita na testa, com
impaciência. Se a Laura imaginasse, sentiria vergonha de saber que foi traída
por uma mulher como você, pensou. As mulheres são complicadas, querem escolher
até as amantes. Laura já havia soltado indiretas do tipo, com certeza diria:
“Com aquele troço?! Prefiro que ninguém saiba, se ainda fosse uma mais
ajeitadinha... Mas Alberto, se eu descobrir que você pegou uma mulher decente,
você me paga... Mas aquela não, você fez até um favor à pobre criatura”.
Àquela altura, Carla já tinha devorado o
pedaço de torta.
—
Preciso ir ao banheiro, já volto
— disse.
Ele deu de ombros, disse que não tinha muito
tempo.
—
Que espere, é Natal, não é,
Alberto? Mas que merda!
No banheiro, deu de cara com uma mulher magra
e pálida. Os ossos do quadril saltavam de leve como duas cabecinhas pelo tecido
fino do vestido dela. A mulher riu para Carla como riem as pessoas importantes
da sociedade, pois devem rir para todos. Carla aprendeu esse riso “em moldura” num
segundo e se deteve um momento olhando-se no espelho. Ria, meu bem, que a vida
é de chorar, pensou. Eu nunca tive motivo pra rir... eu ria da fome que sentia,
que me deixava bobinha... Eu ficava tonta e rindo como doido em hospício...
Aliás, todo mundo tem um pezinho no hospício... Entrou no banheiro, trancou a
porta. Tirou os sapatos e ajoelhou-se. Enfiou três dedos — um só já não bastava
—
na garganta e vomitou tudo. O
gosto do álcool provocou-lhe mais náuseas. O nariz ficou entupido, tossiu, e
vomitou mais.
“Quando começou a vomitar?”, perguntou-lhe a
analista numa das primeiras sessões. “Não sei. Eu sonhava com comida... Eu
queria comer, comer, e gritar entupindo-me de comida, era um desejo terrível,
quase sexual...”, respondeu Carla. “Mas quando você se viu vomitando pela
primeira vez?”, insistiu a analista. “Logo depois do casamento, quando tive meu
primeiro filho... Eu fazia jantares enormes para a família do marido, todos
velhos e bem alimentados... Eu via aquela mesa e a cara das pessoas que nunca
passaram fome... Eu comia e ria, sempre comi rindo, era como usar uma droga...
E agora, eu podia ter o quanto quisesse... Depois vinham os doces e as mulheres
gordas que traziam sobremesas coloridas... Da sobremesa, as discussões sobre
política e futebol... Eu sentia uma angústia e corria pro banheiro... Às vezes,
colocava tudo pra fora e comia mais, era um prazer... Depois passava dias sem
comer quase nada, como se fizesse abstinência...”.
Lavou mãos e boca com sabonete. Ajeitou o
cabelo e tocou os lábios. Depois que vomitava, sentia um poder tremendo. Jogava
o podre fora. Eu não nasci pra comer, nem pra digerir certas coisas, gemeu.
Tinha que voltar à mesa. E se dissesse ao Alberto que não aceitaria uma
separação? Separação! Mas que bobagem! Sim, não aceitaria e faria um escândalo
em frente à cobertura dele, em plena noite de Natal. Subiria como convidada
(conhecia o porteiro), sem avisar, carregando um peru enorme na bandeja.
Cobriria o peru com uma toalha de Natal, decorada com pinheiros e estrelas.
Pouco antes da ceia, chamaria Laura na
cozinha, “O peru está no ponto, querida”, e o enfiaria na cabeça dela, aquela
perua esquálida!
Voltou à mesa. Bebeu um gole de água, a
garganta estava seca. Bebeu dois goles de vinho, beliscou um troço de pão
abandonado na mesa. Começava tudo outra vez.
—
Enfim, quero que entenda que não
podemos nos ver — disse Alberto, sem demora.
—
O meu emprego está ameaçado?
—
Não se preocupe, a Laura não
fará um escândalo... mas, preciso que você passe para outro departamento (Como
faço para me livrar dessa lagartixa de uma vez?,
pensou).
—
Que departamento?
—
Ainda não sei direito. Eu não
posso tê-la como coordenadora do mesmo projeto, entende?
—
Isso quer dizer que vou ganhar
menos e que não vou viajar mais para os eventos?
—
Não sei, já veremos... Prometo
que, ao retornar do recesso, teremos uma conversa. As coisas se acalmarão...
Que venha 2013!
—
À merda 2013! Eu quero saber por
que você está tão frio?
Ele olhou pra ela, ah, se soubesse a náusea
que sentia agora. Vomitaria na sua cara, cretina! Mulher tem que confundir tudo
mesmo, um casinho com algo especial, com amor?
Pois eu vou pra cama com outra mulher, como tomo uma dose de uísque, eu não
penso!, sentiu vontade de gritar. Claro, sinto prazer, mas no final é tudo
igual... Sexo, champanhe, filme pornô, hotel de luxo, uma trepada diferente no
meio da noite... Claro, gosto, mas está tudo sem graça... E de onde vem esse
gosto de peru cru na boca?, perguntou-se. Se essa mulher soubesse que o sexo
que faço com ela o faria do mesmo jeito com uma galinha congelada...
—
Esse não é o melhor lugar pra
discutir. Voltaremos a conversar no próximo ano — disse Alberto.
—
Vamos ao quarto, então.
Depois de muitos minutos e taças de vinho,
ela o convenceu a visitar a suíte.
Abriu a porta do quarto.
—
Eu tenho tanto desejo louco, meu
bem — disse Carla,
puxando-lhe pela gravata.
Meu Deus, estou a perigo, pensou. Segura-se
um homem pelo “peru” mesmo!
Jogou-o na cama e abaixou-lhe as calças. A
cena era deprimente, nem sexo com prostituta lhe causaria tanto
constrangimento, pensou Alberto ao vê-la desesperada. E ali, de pernas abertas,
sentado na cama, não pensou em reagir. Que essa puta louca faça o que quiser e
depois suma da minha vida! Ela desabotoou a blusa e deixou transparecer o sutiã
preto e de renda. Os peitos formavam um coração no seu colo, peitos
siliconados. Arrancou-lhe a cueca com os dentes afiados e fez um movimento com
a boca de leoa furiosa, queria comer o sexo dele? Tentou mostrar sensualidade
em cada gesto, mas seu corpo era desproporcional, peitos grandes, braços magros, um pouco
barrigudinha e um quadril seco — corpo de quem tinha passado fome. Olhou nos olhos dele, que franziu a
testa como se quisesse dizer: eu vou gostar, mas não se dê ao trabalho. Ela
gritou: “Seu safado!”. Será que safado era o meu pênis?, perguntou-se Alberto.
Se for, não vai ter jeito de gozar. Ela segurou o saco dele e o lambeu. Ele
sentiu cócegas e um pavor absurdo, a língua dela era fria como a de um sapo.
Sentiu nojo dos cabelos pretos e esticados caindo sobre o colo dele, sentando
ali como um pateta... Ou um palhaço... imaginou-se como um palhaço, e ela, uma
leoa chupando-lhe, atrás da arena de um circo triste... Ele tentou afastá-la.
Ela empurrou-lhe com o braco direito, disse meia palavra, com a boca cheia. Ele
respirou fundo e esticou os braços, inclinando-se para trás, se ela queria
fazer aquele trabalhinho, que o fizesse, pensou e esperou que terminasse como
se lhe engraxassem os sapatos. Nem sexo eu aguento mais, concluiu, é que eu
posso comprar até o sexo... E essa mulher faminta e aflita...!
De repente, ela deu um grito, sufocada.
Agitou-se, roçando a mão no pênis dele com ligeireza. Ele pensou, que bom,
adiante isso mesmo... Tinha que pensar em algo, pra agilizar a coisa... pensaria
na atendente da livraria que conheceu quando comprava um livro para a filha.
“Recomendaria esse livro para uma adolescente?”, perguntou-lhe. E a atendente
novinha a explicar-lhe o enredo, e ele a pensar no enredo que inventaria pra se
livrar da mulher lagartixa pra sempre...
Minha filha, termine essa porra de uma vez!,
quis gritar. Agarrou, com as duas mãos, a cabeça dela, fazendo com que ela
subisse e decesse rapidamente... A atendente, sim, a mulher, não... o Natal, a
merda do peru, pero...Vai, vai,
merda! pensava, movimentando cada vez mais rápido a cabeça dela... Até que ela
o empurrou com os braços magros, sem fôlego, e sem poder evitar, vomitou em
cima dele, em cima do pênis dele.
—
Filha da puta! Você está louca? —
gritou ele, incrédulo.
O segundo vômito foi forçado, mas ela fez
questão. Vomitou apenas o vinho quente. Levantou-se como se nada tivesse
acontecido. Vestiu-se enquanto ele ficara paralisado, como um bebê que acabava
de golfar.
—
Passe uma toalha, sua vagabunda! — disse, mas não se mexeu.
Que mimado, pensou ela, ajeitando o cabelo no
espelho. Olhou-se com gosto, dessa vez o prazer que sentia, hum... nunca se
sentira tão bem. Havia guardado muita coisa daquela relação, tinha mais de
vomitar tudo mesmo! A cartomante estava certa, ele era terra, e que
apodrecesse!
—
Feliz natal, querido —
disse ela, cinicamente, e bateu
a porta.
Dessa vez, fez questão de deixar a boca suja, sentindo o gosto de boca e vinho,
era de um saboroso triunfo, assim:assim:assim. Humedeceu os lábios... se não
fosse meu chefe, teria mordido a coisa dele até sangrar, pensou, entrando no
elevador. Deu um risinho para a socialite ao lado dela. A náusea passara e a
tremedeira também. Agora seguiria para um shopping de luxo, compraria o vestido
que queria, chocolates finos, os presentes dos filhos, o peru da ceia...
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