Becoming
um amador
O
escritor inciante só deseja contar estórias. Não pensa, a princípio, num público
específico, nem se preocupa em agradar os críticos. Não lhe falta ânimo! Estala
os dedos e começa a digitar suas estórias tac tac tac, com um café ao lado. Nos
primeiros meses, sente um poder tão inexplicável quanto a fé. Sentimento esse tão
sublime que é a essência do escritor. Ele é metafísico. De carne, só os
mortais. Ele não, trabalha ao som de passarinhos e apurando o silêncio das
estórias.
O
escritor não tem noção de como será sua vida uma vez que termine de escrever O livro. Se acostumado está ao “peso” do
vazio, não o estranhará ver o tamanho do buraco que começa a se formar no seu peito.
Por um momento, crescerá com a dor e tapará o vazio com um farrapo de orgulho.
Embriagado
de ideias, ele se alimentará da solidão, e durante o processo de escrita as palavras
o nutrirão de esperança. O mundo é pleno de possibilidades e nele existirá um
espaço para as suas ideias!
Continuará,
pois, a escrever o seu primeiro livro numa rotina mais ou menos disciplinada,
em horas de aperto, depois do trabalho, à noite ao lado de corujas misteriosas,
ou de raposas que cantam o choro de crianças na madrugada (em Londres, por
exemplo, é comum ouvir raposas “chorando”, no meio da noite). Enfrentará
qualquer dificuldade, bloqueio criativo, etc. Não poderá desistir do ofício que
o mantém vivo! Por esse motivo tão somente ele escreve, senão nem se importaria
em trabalhar no serviço de atenção ao cliente de uma empresa (multada) de
celulares. Ele escreve por vocação (capisce?), sem entender a responsabilidade
desse chamado.
Após
longos meses dedicados ao cansativo processo de edição e correção, o livro está
pronto! O livo, quê? O livro só existe ali num arquivo do seu laptop. Mas o escritor segue em frente desfrutando das
últimas gotas de esperança.
Entrará
em contato com escritores, enviará originais para as (raras) editoras que
aceitam, participará de concursos literários em “Varginha”, wherever!, escreverá para jornais... “Pronto,
o livro já está no mundo”, pensará o escritor, místico. A espera, porém, não
tem mistério: é lenta. Algumas editoras não o respondem, outras dizem que
poderão entrar em contato seis meses, dois anos após o envio... Os concursos
não dão prêmios a um “Zé Ninguém”, sem formação acadêmica ou pelo menos um
livro publicado...
Depois
de um ano, o escritor não é mais um escritor, mas “ex-critor” ou um amador, malabarista
de palavras ou qualquer coisa do tipo. Ele se revolta, diz que as pessoas só
querem ler sobre não sei quantos tons de vampiros sádicos? Eu, hein, o escritor
não lê bestsellers. Ah, o mundo é
mesmo injusto!
Desistirá,
o escritor amador?
“Pobre
de quem tenta ser escritor no Brasil, onde o livro é um objeto de luxo”, que
pena sente o escritor de si mesmo! Sabe que escolheu uma profissão ingrata e
difícil, e desanima. Pensa em esquecer a escrita de vez! Sai em busca de
qualquer trabalho, escrever é uma merda!, rasga-se de ódio. “É uma maldição!”.
Agora
veja: o estado atual do escritor segue, mais ou menos, a linha do Diletante, de Thomas Mann: “o inevitável
é tão consolador”. Deliciosamente consolador, o sofrimento do escritor cujo
único nobre desejo é alimentar a imaginação dos leitores! Olha-se no espelho, o
buraco se expandindo... O escritor é quase médico, tão bem sabe cuidar das
feridas suas e das do mundo.
Tcs,
tcs...
Passa
a acompanhar com ansiedade os blogs de jornalistas que cobrem o mercado
editoral. Corrói-se com inveja dos que conseguiram atrair um grupo de leitores.
Acompanha os blogs de escritores, de pessoas que amam livros, tenta consolar-se!
Se houvesse um grupo de terapia para escritores rejeitados, ele participaria. Faria
qualquer coisa!
Verdade
que a condição do escritor é a solidão (esquecimento). Mas será que ainda existe
uma saída?, pergunta-se. Sempre existirá uma, para os que continuam tentando. Chega
a conclusão que só lhe resta aprender aquele idioma tão popular atualmente. It´s not English, darling. We speak
Monologuês – gritam pelo mundo afora –, a língua oficial das redes (teias) sociais.
Começa
a falar Monologuês sem dificuldade. E abusa de todas as ferramentas desse novo
idioma, os verbos “Twittar” e “Facebooquear” são os seus favoritos. “Hoje eu twittei...”,
começa o escritor, o seu dia; divulga o seu trabalho por conta própria, mas tem
de GRITAR para o mundo! O problema do Monologuês é o seu vocabulário restrito: “me,
myself and I”. E como custa chamar a atenção de uma meia dúzia de eu, eu, eu...
A
terra do Monologuês é um desbunde, reflete o escritor. A lei é essa: “faça tudo
para mostrar por que você é o melhor, por que você acabou de fazer a melhor coisa
do mundo”. E abuse dos flashes! Ok. O escritor posta fotos, frases de efeito,
tudo do tipo “like me ou like me” o que você pensa não me importa.
Mas
ainda assim há um longo caminho! Desesperado, começa a escrever um blog. Tenta
ser fiel à paixão pela escrita, faz uma coisa bonitinha e poética, blá blá,
coisa que ninguém lê! O que fazer?, pergunta-se, exasperado, o buraco
crescendo, crescendo...
Em
poucos meses, já não consegue escrever nada que preste, está preocupado demais
com a opinião alheia. Tão vulnerável, o escritor moderno. Além do mais, perde
muito tempo tentando dominar o Monologuês. E em terra estrangeira o coração do
escritor bate com cordas de solidão. Apesar de tanta liberdade, sente que fala
para uma sala vazia. Ou para fantasmas que andam nas linhas dos trens.
Aos
poucos, o escritor aceita o inevitável. Sustenta-se com sonhos e com o salário
de um trabalho medíocre; contenta-se com o pouco, publicando seus textos em blogs
e revistas. Quem sabe até se arriscará publicando um livro digital...
O
furor dos meses de escrita que o deixaram
tão confiante como um super-homem, acabou. Mas, o verdadeiro super-homem sabe
lidar com suas fraquezas. E com os próprios clichês. Quem sabe no futuro reconhecerão
o seu trabalho? Ainda lhe resta uma esperança – inevitalvemente consoladora.
Anos
depois, o escritor rasbicará ideias para um novo livro caso se esqueça de abrir
as janelas do mundo – evitando assim que o sopro da realidade leve a esperança para
longe. Os anos de experiência o ensinarão a não se levar a sério. Ele ama a dor
e, um escritor de verdade não fica nas entrelinhas. “É melhor ser um eterno
amador”, conclui. Já conformado, abrirá metade da janela, e aliviará a dor ao
mesmo tempo que preencherá o seu vazio. O vazio de querer descrever o mundo na
palma da mão, transformando linhas de dor numa experiência de amar.