segunda-feira, 11 de março de 2013



Becoming um amador

O escritor inciante só deseja contar estórias. Não pensa, a princípio, num público específico, nem se preocupa em agradar os críticos. Não lhe falta ânimo! Estala os dedos e começa a digitar suas estórias tac tac tac, com um café ao lado. Nos primeiros meses, sente um poder tão inexplicável quanto a fé. Sentimento esse tão sublime que é a essência do escritor. Ele é metafísico. De carne, só os mortais. Ele não, trabalha ao som de passarinhos e apurando o silêncio das estórias.
O escritor não tem noção de como será sua vida uma vez que termine de escrever O livro. Se acostumado está ao “peso” do vazio, não o estranhará ver o tamanho do buraco que começa a se formar no seu peito. Por um momento, crescerá com a dor e tapará o vazio com um farrapo de orgulho. 

Embriagado de ideias, ele se alimentará da solidão, e durante o processo de escrita as palavras o nutrirão de esperança. O mundo é pleno de possibilidades e nele existirá um espaço para as suas ideias!
Continuará, pois, a escrever o seu primeiro livro numa rotina mais ou menos disciplinada, em horas de aperto, depois do trabalho, à noite ao lado de corujas misteriosas, ou de raposas que cantam o choro de crianças na madrugada (em Londres, por exemplo, é comum ouvir raposas “chorando”, no meio da noite). Enfrentará qualquer dificuldade, bloqueio criativo, etc. Não poderá desistir do ofício que o mantém vivo! Por esse motivo tão somente ele escreve, senão nem se importaria em trabalhar no serviço de atenção ao cliente de uma empresa (multada) de celulares. Ele escreve por vocação (capisce?), sem entender a responsabilidade desse chamado.
Após longos meses dedicados ao cansativo processo de edição e correção, o livro está pronto! O livo, quê? O livro só existe ali num arquivo do seu laptop. Mas o escritor segue em frente desfrutando das últimas gotas de esperança.

Entrará em contato com escritores, enviará originais para as (raras) editoras que aceitam, participará de concursos literários em “Varginha”, wherever!, escreverá para jornais... “Pronto, o livro já está no mundo”, pensará o escritor, místico. A espera, porém, não tem mistério: é lenta. Algumas editoras não o respondem, outras dizem que poderão entrar em contato seis meses, dois anos após o envio... Os concursos não dão prêmios a um “Zé Ninguém”, sem formação acadêmica ou pelo menos um livro publicado...


Depois de um ano, o escritor não é mais um escritor, mas “ex-critor” ou um amador, malabarista de palavras ou qualquer coisa do tipo. Ele se revolta, diz que as pessoas só querem ler sobre não sei quantos tons de vampiros sádicos? Eu, hein, o escritor não lê bestsellers. Ah, o mundo é mesmo injusto!
Desistirá, o escritor amador?
“Pobre de quem tenta ser escritor no Brasil, onde o livro é um objeto de luxo”, que pena sente o escritor de si mesmo! Sabe que escolheu uma profissão ingrata e difícil, e desanima. Pensa em esquecer a escrita de vez! Sai em busca de qualquer trabalho, escrever é uma merda!, rasga-se de ódio. “É uma maldição!”.
Agora veja: o estado atual do escritor segue, mais ou menos, a linha do Diletante, de Thomas Mann: “o inevitável é tão consolador”. Deliciosamente consolador, o sofrimento do escritor cujo único nobre desejo é alimentar a imaginação dos leitores! Olha-se no espelho, o buraco se expandindo... O escritor é quase médico, tão bem sabe cuidar das feridas suas e das do mundo.
Tcs, tcs...
Passa a acompanhar com ansiedade os blogs de jornalistas que cobrem o mercado editoral. Corrói-se com inveja dos que conseguiram atrair um grupo de leitores. Acompanha os blogs de escritores, de pessoas que amam livros, tenta consolar-se! Se houvesse um grupo de terapia para escritores rejeitados, ele participaria. Faria qualquer coisa!
Verdade que a condição do escritor é a solidão (esquecimento). Mas será que ainda existe uma saída?, pergunta-se. Sempre existirá uma, para os que continuam tentando. Chega a conclusão que só lhe resta aprender aquele idioma tão popular atualmente. It´s not English, darling. We speak Monologuês – gritam pelo mundo afora –, a língua oficial das redes (teias) sociais.
Começa a falar Monologuês sem dificuldade. E abusa de todas as ferramentas desse novo idioma, os verbos “Twittar” e “Facebooquear” são os seus favoritos. “Hoje eu twittei...”, começa o escritor, o seu dia; divulga o seu trabalho por conta própria, mas tem de GRITAR para o mundo! O problema do Monologuês é o seu vocabulário restrito: “me, myself and I”. E como custa chamar a atenção de uma meia dúzia de eu, eu, eu...
A terra do Monologuês é um desbunde, reflete o escritor. A lei é essa: “faça tudo para mostrar por que você é o melhor, por que você acabou de fazer a melhor coisa do mundo”. E abuse dos flashes! Ok. O escritor posta fotos, frases de efeito, tudo do tipo “like me ou like me” o que você pensa não me importa.
Mas ainda assim há um longo caminho! Desesperado, começa a escrever um blog. Tenta ser fiel à paixão pela escrita, faz uma coisa bonitinha e poética, blá blá, coisa que ninguém lê! O que fazer?, pergunta-se, exasperado, o buraco crescendo, crescendo...
Em poucos meses, já não consegue escrever nada que preste, está preocupado demais com a opinião alheia. Tão vulnerável, o escritor moderno. Além do mais, perde muito tempo tentando dominar o Monologuês. E em terra estrangeira o coração do escritor bate com cordas de solidão. Apesar de tanta liberdade, sente que fala para uma sala vazia. Ou para fantasmas que andam nas linhas dos trens.
Aos poucos, o escritor aceita o inevitável. Sustenta-se com sonhos e com o salário de um trabalho medíocre; contenta-se com o pouco, publicando seus textos em blogs e revistas. Quem sabe até se arriscará publicando um livro digital...
O  furor dos meses de escrita que o deixaram tão confiante como um super-homem, acabou. Mas, o verdadeiro super-homem sabe lidar com suas fraquezas. E com os próprios clichês. Quem sabe no futuro reconhecerão o seu trabalho? Ainda lhe resta uma esperança – inevitalvemente consoladora.
Anos depois, o escritor rasbicará ideias para um novo livro caso se esqueça de abrir as janelas do mundo – evitando assim que o sopro da realidade leve a esperança para longe. Os anos de experiência o ensinarão a não se levar a sério. Ele ama a dor e, um escritor de verdade não fica nas entrelinhas. “É melhor ser um eterno amador”, conclui. Já conformado, abrirá metade da janela, e aliviará a dor ao mesmo tempo que preencherá o seu vazio. O vazio de querer descrever o mundo na palma da mão, transformando linhas de dor numa experiência de amar.

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